sábado, 18 de outubro de 2008

In Fading Suns and Dying Moons

Quando li o "Cosmos" do Carl Sagan pela primeira vez lembro-me que o capítulo que mais me impressionou foi aquele em que o autor explica, citando outro livro qualquer, a visão que hipotéticos seres bidimensionais teriam do nosso mundo tridimensional. Um ser bidimensional não tem profundidade e nem consegue conceber tal coisa, pelo que vê os seus pares como linhas que se aproximam e se afastam. Se eu, que tenho profundidade, me aproximasse do desgraçado do ser bidimensional e executasse qualquer movimento na vertical, ele veria segmentos de recta a encurtarem ou alongarem, dividindo-se inexplicavelmente noutros espontaneamente. Pior ainda, posso tocar no ser 2D e mesmo matá-lo sem que ele compreenda como consigo fazê-lo sem, aparentemente, me aproximar dele. Ou seja, interpretar-me-ia como um ser semelhante a ele mas exibindo um comportamento bizarro e paradoxal, dividindo-me em segmentos mais pequenos ou aglomerando-me em segmentos maiores e cometendo actos impossíveis.

Isto leva-me à questão, e se um fulano da quarta ou quinta dimensão me entrasse agora pelo quarto dentro, que veria eu? Se o ser bidimensional me encara como seu igual, embora não me comporte como tal, é possível que eu visse algo do género. Existe um excelente conto de ficção científica escrito pelo John Varley (e que empresta o título a este texto) que brinca com essa ideia. O tal ser (ou seres?) da i-ésima dimensão é percepcionado pelos humanos como sendo uma fileira interminável de homens iguais, vestidos da mesma maneira, que percorrem os continentes de leste para oeste (como um ancinho) caçando borboletas. Descobre-se então que a Terra e consequentemente o Universo onde ela se insere, nada mais é que um sofisticado viveiro de lepidópteros que será eliminado pelos seus criadores após a colheita e envio destes insectos ao Criador.

Mas isto leva-me a outra questão. O meu amigo bidimensional não necessita de ser um segmento de recta para ver os seus semelhantes como segmentos de recta. Como descreveu Sagan, pode ser um quadrado, mas dada a sua visão do Mundo nunca se aperceberá de que é um quadrado, nunca vai compreender na totalidade qual a sua forma verdadeira. Encara-se a si mesmo como encara os outros quadrados: linhas que se afastam ou aproximam no horizonte, ou que (caso possam executar movimentos de rotação) aumentam e diminuem. Mas como não tem noção de profundidade nunca conhecerá a totalidade das quatro linhas que o constituem.

Logo, a minha forma (e a vossa) talvez não seja esta. É possível eu não tenha, afinal, dois braços, duas pernas, uma cabeça, um tronco - que o meu corpo seja parte de algo maior e mais complexo que simplesmente nem consigo começar a imaginar. Ao aglomerar vários quadrados num espaço tridimensional, é gerado um cubo. Logo, se cada face de um cubo é um quadrado, cada face de hiper-cubo (que é uma projecção do cubo para uma dimensão superior) é um cubo.

Tal como a generalização de um cubo para um espaço de dimensão superior a 3 é um hiper-cubo e tal como a generalização de uma esfera é uma hiper-esfera, talvez numa dimensão superior os nossos corpos estejam ligados entre si ou talvez possuam partes que não conseguimos ver por possuírem características que escapam à nossa realidade.

Talvez sejamos hiper-humanos.

sábado, 11 de outubro de 2008

Encounters at the end of the world


Calculo que não seja difícil fazer um documentário sobre o continente Antárctico e pejá-lo de imagens deslumbrantes, quer pela estranheza quase alienígena desse mundo, quer pelo espanto que o mundo natural causa (naturalmente) em nós. Um documentário destes poderia até nem ter qualquer locução que certamente resultaria bem e faria com que a imaginação por si preenchesse o observado com oratórias interiores iluminadas. E por um lado é isso mesmo que acontece, graças à boa vontade do realizador. Mas como seria de esperar neste filme de Werner Herzog, o filme não se limita ao básico. Aliás, pode-se dizer que o básico é até repudiado e como alternativa o realizador procura encontrar qual o papel do Homem neste local, na Terra e até no Universo. A visão aqui, decorre livremente. Não se tenta, como seria de esperar, encontrar qual o nosso papel divino, porque claramente o autor dispensa esse tipo de visão simplista, mas unicamente observar como Nós crescemos no mundo e como este mesmo mundo no seu sentido mais orgânico possibilita por si só a transcendência.

Encounters at the end of the world é um filme inquietante que vai muito além do continente Antárctico e se debruça sobre o Homem e os homens e mulheres que o "habitam". Para além da exuberância que se poderia esperar não esconde também a mediocridade Humana que nos forma. Para mim, passado agora algum tempo desde que vi (e revi) o filme, considero-o um documento extremamente bem concebido e um hino ao Homem e ao quão livres podemos ser na nossa pequenez.