sábado, 26 de dezembro de 2009

Piadas de Caserna

Não exagero se afirmar que uma parte significativa da minha formação intelectual, aí uns 8%, se baseia na colecção quilométrica de revistas das Selecções Reader's Digest que crescia na casa dos meus avós. Longas tardes, serões e por vezes madrugadas passava eu a devorar com os olhos toda aquela sabedoria mundana e inócua concebida de e para donas de casa da classe média. As minhas secções favoritas eram (e aposto 20 jewros em como também eram as vossas) aquelas das anedotas fornecidas pelos leitores. Existiam, de facto, centenas quiçá milhares de pessoas em todo o mundo a gastarem papel, selos e imaginação na esperança de verem as suas hilariantes 8 a 10 linhas de hilaridade publicadas nas coloridas páginas das Selecções. Isto pensava eu do alto dos meus saudosos 9 anos, e como me abismava esta ideia de haver tanta gente unida num propósito comum, o de semear na edição de Agosto de '66 ou noutra qualquer, e por conseguinte na consciência Universal, aquele piada fascinante que ouviram na fila do supermercado. Mas não só de humor se fazia uma revista, era frequente encontrar artigos inspiradores sobre trigémeos separados à nascença que se reencontram duas décadas depois após um deles ter um sonho profético sobre os irmãos, por exemplo. Na verdade, exceptuando esta história e as páginas das anedotas, não há muito mais que consiga recordar do conteúdo das SRD. Era muito mais importante para mim a maneira graciosa como se alinhavam dezenas de exemplares nas prateleiras da estante da casa dos meus avós, como se ordenavam facilmente segundo o mês e o ano e como havia sempre mais uma para ler assim que me fartava daquela que tinha nas mãos.

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

O candeeiro que conheceu Darwin e se esqueceu de dizer que existia





Há uns anos, nas internetes, discutia-se a crença, ou não, no paranormal. A dada altura uma pessoa escreve que, embora não sendo crente, existiam fenómenos que a faziam questionar. Dizia essa pessoa que, por exemplo, havia um candeeiro de rua que sempre que ela passava, intermitentemente se apagava e acendia, e que, para si, isso indicava algum tipo de fenómeno que não conseguia explicar mas que atribuía a alguma interferência entre si e o dito, como se houvesse algo de místico nisso. Perguntei-lhe se já lhe tinha passado pela cabeça que o candeeiro se apagava e acendia independentemente da sua presença e se o que levava a concluir tal coisa não se prendia com o facto de não o ver "piscar" quando não estava lá. Para minha surpresa (ou não) a pessoa respondeu que nunca lhe havia passado tal hipótese pela cabeça.

Este pequeno episódio, penso, ilustra bem a psicologia da Humanidade ao longo da sua existência.

E existem outros tantos, bem banais até, que demonstram claramente que devemos estar atentos à forma como construímos os nossos pensamentos. Quem nunca ouviu alguém dizer de forma peremptória coisas como "não levei o meu guarda-chuva, por isso choveu" ou atribuir estar preso num engarrafamento ao carma? Tal é o peso do Ego que realmente muitas vezes não se tem conta do absurdo, porque realmente o que se está a dizer é que, por exemplo em Portugal, 10 milhões de pessoas estão sujeitas à chuva porque "Eu" me esqueci do guarda-chuva ou que, no caso do engarrafamento, milhares de pessoas estão presas no transito, e quem sabe, alguém morreu e alguém ficou órfão, devido ao mau carma provocado por "Eu" ter mandado à merda a senhora da florista, ou até por não ter acendido a vela da cor certa.

E é longa a tradição... A terra é o centro do universo, o sol gira à nossa volta e tudo existe para nós. A Humanidade não pode ter apenas surgido de uma poça de lama, somos tão especiais que os Deuses, Deus ou os Aliens têm de estar envolvidos. E as estrelas... as estrelas se brilham, brilham para nós - porque sem nós não fazia sentido que brilhassem - as suas formas estão lá para guiarem as nossas vidas. E de certa forma são compreensível tais infantilidades da antiguidade. Não me chocam. A vida é um acto violento e traumático. Pobres de nós, acabados de emergir da animalidade pura para nos depararmos com a consciência... e claro com a Morte. E sendo a morte em parte semelhante ao sono, e sendo o sono povoado de sonhos, é também compreensível que se equacione um outro mundo como forma de lidar com a dor... de facto, é minha opinião, que a fase de negação do trauma que é a morte ainda hoje o vivemos. Quantas vezes já me deparei com pessoas que, quando confrontadas com a minha opinião de que depois da vida simplesmente não existe nada, me respondem que tal não pode ser, porque seria profundamente injusto. Como se houvesse uma obrigação do universo obedecer às leis do raciocínio e imaginação da humanidade, apenas porque sim. Como se fosse sua obrigação aliviar as nossas dores.

É por isso que admiro o pensamento cientifico. Porque, mesmo que ainda seja sujeito às falhas Humanas, é um sinal de maturidade da nossa espécie. De certa forma afasta-nos do egocentrismo infantil com que fomos vivendo - e que ainda está bem patente no mundo - alterando a lógica do nosso raciocínio. As coisas, lentamente, vão deixando de existir em nossa função e, com humildade, reconhecemos a nossa ignorância e, de forma mais significativa, a nossa insignificância. Somos uma criança que lentamente abandona as birras e enfrenta a realidade.

E, ao contrário do que muitas pessoas apregoam, não é objectivo da ciência (para se discutir o que é a ciência seriam necessários vários volumes e certamente não escritos por mim) matar o espírito nem a imaginação mas sim criar uma forma de conhecimento palpável que seja o mais independente possível das vontades e patologias mentais humanas. Pegando no meu querido Darwin, a sua teoria seria tão válida como a de um Monge que se senta a meditar/rezar horas ou dias, ou uma vida inteira, perdido nos seus níveis de consciência, esperando encontrar alguma universalidade no seu pensamento, concluindo finalmente que o homem é a mais perfeita criação de deus e que foi construído à sua imagem. Quero dizer que; o relevante na ideia de que toda a vida, nós humanos incluídos, tem uma origem comum e de que todo esse processo é aleatório e amoral, não é apenas a ideia em si, por mais fascinante que seja. A elegância está em não ser fruto de uma experiência meramente interior, e sujeita ao tipo de falácias com que abri este texto, mas sim fruto do seu embate com o mundo exterior, comum a todos nós e livre das nossas vontades.

Pode não ser tão encantador e harmonioso como a ideia de perfeição apregoada pelas religiões, por mais diversas que sejam. Mas é, a meu ver, pelo menos, mais honesto. De facto a teoria da evolução - como diz Stephen J. Gould no seu livro "O Sorriso do Flamingo" - tem a sua maior força na exposição que faz da falta de harmonia existente no mundo. A ilusão de que o mundo era uma máquina perfeita caiu por terra simplesmente pela observação da realidade. O mundo, de acordo com Darwin, era um mundo de extinções em massa (como os registo fósseis comprovavam), era um mundo onde o aparente equilíbrio se faz da morte dos infantis e dos idosos, onde existiam vespas que colocavam os seus ovos dentro das larvas de escaravelho para estes devorarem por dentro a sua prole. É esse o nosso mundo e havendo um Deus omnipresente e omnipotente então toda esta crueldade seria sua vontade... ou então - mais logicamente - existindo ou não Deus (eu prefiro o termo criador) apenas criou as leis naturais que fazem o mundo não tendo qualquer papel interventivo.

E com isto se vê como é fundamental o conhecimento factual do nosso mundo para o próprio encontro com o Divino. Se pensarmos bem as religiões sempre dependeram da realidade física (re)conhecida para estabelecerem os seus fundamentos. Seja quando a terra assentava nas costas de uma tartaruga, seja quando era plana ou o centro do universo. A procura das leis naturais é vital por isso mesmo, mesmo que isso ofenda o nosso ego por tonar cada vez mais irrelevantes as nossas vontades.

Pessoas como Darwin ou Einstein (ou Newton, Galileu, Planck, etc...) alteraram o nosso mundo. Influenciaram a filosofia, a religião e, claro, a nossa forma de construir o mundo. Alteraram nas nossas sociedades a própria psicologia de Deus e com isso estamos cada vez mais longe daquele ser mesquinho e castigador que acena a cada esquina com o Carma ou com a Culpa como quem estala um chicote. Obviamente que esta abolição do pastor, este ênfase no livre arbítrio, fez ruir pilares e abanar o edifício. Mas mesmo assim, e mesmo que um dia por entre escombros, prefiro isto a qualquer passado obscuro.



quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Complemento

Já agora, como complemento ao post anterior.

“Há sítios do mundo que são como certas existências humanas: tudo se conjuga para que nada falte à sua grandeza e perfeição. Este Gerês é um deles."
Miguel Torga In "Diário VII"

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Gerês 2009

Mais umas férias no Gerês, desta feita com o objectivo de cumprir um desejo de longa data. Fazer uma caminhada unindo vários spots da serra, com a “casa” às costas e sem direito a paragem pelo parque de campismo para recuperar entre caminhadas. Como companheiro nesta aventura tão dolorosa como gratificante tive o Daniel (aka Ermo) que se revelou um excelente parceiro, sem merdas nem paneleirices, tal qual Black Metal sem teclados.

Após uma longa viagem de camioneta cheguei a Braga onde segui com o Ermo de carro até ao Gerês. Lá chegados e após instalação e posterior relax partimos, como não poderia deixar de ser, até à zona da barragem de Vilarinho das Furnas a fim de contemplar a paisagem, ver a noite cair e fumar uns picas antes de ir dormir.




No dia seguinte o dia começou cedo, embora a incompatibilidade entre os nossos horários e os do parque nos tenha forçado a sair um pouco mais tarde, já depois das 9h, não evitando o calor abrasador com que a serra nos brindaria. Lá seguimos,



entrando no trilho e seguindo pela Fraga do Suadouro.



Obviamente não é por acaso que terá o nome de Suadouro, porque realmente muito suor é despendido para a galgar, especialmente quando o calor de Agosto já aperta.



E lá subimos com sofrimento e dedicação, parando para recuperar forças nas poucas sombras existentes. Por fim lá avistámos os carvalhos, que assinalavam que estávamos muito próximos da nossa primeira paragem a sério.



Poucos metros mais à frente lá chegámos ao nosso esperado recanto. E ali ficámos durante o resto da tarde na sombra das duas grandes árvores, um Carvalho e (julgo) um Vidoeiro, ambos bem fartos de folhas, alimentados pela ténue nascente que faz do local uma espécie de oásis no meio da aspereza tão própria da serra no Verão.



Ali nos fomos entretendo entre a simples pasmaceira de ficar de papo para o ar a ser simpaticamente atormentados por uma enorme variedade de insectos voadores e o perscrutar dos espaços em volta a observar a restante vida existente.





Desta feita os nossos amigos sardões, ao contrário do ano passado, foram menos attention whores, pelo que foi mais complicado captar imagens.



Por volta das 16h lá partimos montanha fora, ou dentro, passámos pelos prados onde as vacas meio derrubadas pelo calor tentavam pastar





Até que alcançámos então o outro lado da serra



onde iríamos procurar um local para pernoitar junto ao imponente Pé de Cabril com os seus 1200 metros acima do nível do mar.






Assim ia caindo a primeira noite,



mais uma refeição à base de enlatados e um céu estrelado de tirar o fôlego com a Via Láctea gloriosa a coroar a abóboda celestial e algumas estrelas cadentes a alegrarem as nossas conversas, enquanto ouvíamos uma opera intitulada "IVAN EL TERRIBLE" e fumávamos uns picas. E, claro, com as nossas velas de cemitério a servirem de “fogueira”.

Na manhã seguinte, mais fim de noite que manhã, iniciamos a descida da serra rumo à mata da albergaria, com o intuito de iniciar a subida às Minas dos Carris. Pelo caminho, ainda na descida rumo à mata, vimos cerca de 8 Garranos, infelizmente a luz era muito fraca para tirar uma foto em condições. Mas fico sempre tocado quando vejo estes cavalos a viverem as suas vidas, com a sua família, livres na serra.






Depois de uns quilómetros lá atingimos a entrada onde iniciámos a subia às minas. Já tinha feito este caminho por duas vezes e já estava mentalizado para um dia complicado, não só pela distância a percorrer mas porque o piso é extremamente complicado, consistindo maioritariamente de pedras soltas com uma forma arredondada, que nos fazem querer chorar de cada vez que damos um passo e constatamos que voltamos meio para trás. Mesmo assim, não deixa de ser um espanto que alguns tugas, sendo nós conhecidos como um povo que não gosta de grandes esforços, se dêem ao trabalho de o subir para deixar lixo no topo da serra, e pelo caminho, claro.
Pouco depois de iniciarmos a subida, fizemos uma curta pausa para um banho matinal,



para depois subir,



e subir,



E, quando o calor já era de mais, e tendo nós todo o tempo do mundo, decidimos ficar umas boas horas em banhos numa bela lagoa natural rodeada por um cenário magnífico. Tão maravilhosa era a água que também o meu telemóvel insistiu em dar um mergulho, felizmente sem consequências maiores que uma quase crise cardíaca da minha parte.





Por volta das 17h, quando o calor ficou menos sufocante, lá continuámos nós a… subir rumo ao planalto.



Onde ao chegar nos cruzámos com um grupo de vacas que agora, depois de tanto enlatado, me pareciam macabramente e encantadoramente deliciosas.



Depois de vencido o planalto, a parte animicamente mais complicada, chegámos então ao topo da serra prontos para desfrutar do local e da paisagem que nos iria acolher naquela noite.





Era tempo de mais enlatados, de sentir algumas saudades de casa e de um prato de boa comida, mas sobretudo era tempo de mais céu estrelado, mais conversas, mais picas e, num daqueles acasos que nos fazem sentir afortunados, de um especial sobre David Lynch na Antena 2, que nos iria conduzir até ao fim da noite.




Na madrugada seguinte, pouco depois de acordar, fui alertado por um ruído que me causou estranheza. Após vencer a confusão inicial ergui a cabeça e para meu espanto vi, qual enviados do grande bode, as silhuetas de duas cabras de montanha num penedo por cima da minha cabeça com o nascer do sol ao fundo. Tal foi o meu espanto e emoção que entre o acordar o Ermo aos gritos e o correr para tentar captar aquele momento com a máquina, os pobres bichos fugiram para nunca mais os vermos. Pelo menos o Ermo ainda foi a tempo de as ver também.

Pouco depois iniciámos a descida, brindados logo ao inicio pelo planar de uma ave de rapina de porte generoso. Aproveitámos para um mergulho nas lagoas dos quatro pinheiros (nome de código) para despertar e, de facto, deu forças para a infinita descida que se seguiu onde as pedras redondas além de não ajudarem a descer mais rápido serviram para que os nossos pés atingissem ângulos impossíveis. Pelo caminho despedimo-nos também das magnificas borboletas que nesta altura tanta cor dão ao parque (Euphydryas aurinia e Callimorpha quadripunctata).







No fim de descermos o Vale do Homem demos de caras com hordas de turistas tugas que contrastam com os estrangeiros maioritariamente por substituírem o equipamento de montanhismo por toalhas, chinelos e até cães irritantes, ficando-se pelas lagoas que ficam ao inicio do trilho onde podem facilmente largar as suas garrafas de plástico e invólucros de chocolates Mars.

Seguimos então pelo interior da mata da albergaria, onde fomos recolhendo umas amoras que nos serviriam de pequeno-almoço. Pelo caminho cruzámo-nos com algumas lemas de bom porte e com alguns escaravelhos de cores exóticas que se refastelavam numa bosta.







Na pausa do pequeno-almoço, mais um mergulho...




Seguido de uma curta caminhada até ao último mergulho da jornada. Onde eu acabaria por comer um manjar que consistiu em restos de broa misturados com lulas enlatadas. Recomendo vivamente! O Ermo comeu a sua 497ª lata de atum.





Terminada mais uma pausa de chill-out, seguimos na nossa caminhada. Agora pela estrada de terra batida, também parcialmente geira romana, que liga a Campos do Gerês.



Aqui dá-se mais um daqueles mistérios do nosso cantinho à beira mar plantado. É que embora o parque, ou as autarquias, dispensem dinheiro a contratar jovens para ocuparem uns postos de controlo, que como o nome indica deveriam servir para controlar, nomeadamente o transito dentro da zona protegida, informando as pessoas que não podem estacionar nem parar dentro dessa zona, assim como sobre o limite de velocidade, nada disso parece ser realmente controlado. Uma vez que se encontram pessoas paradas a fazer picnics (ou pique-niques, como dizem lá na França) em zonas explicitamente proibidas.

A chegada ao parque da Cerdeira foi gloriosa, como se pode ver pelas nossas faces, com o calor e o cansaço acumulado a fazerem estragos.



Assim terminou a nossa viagem pela serra. Seguiu-se o descanso e o retorno a casa no dia seguinte.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Lamento, mas vamos ter de o abater

Ora, ontem enquanto via o ternurento “Clínica de animais”, deparei-me com uma cena comum, sobre a qual já me interrogo há alguns anos, em que um veterinário, depois de concluir que um hamster já não tinha cura para a sua doença, se vira para a dona e diz -lamento, mas vamos ter de o abater - ao que a senhora se desfez em lágrimas, claro está. Não é a reacção da senhora que me causa especial estranheza, mas sim, a habitual displicência com que o “médico” conclui que se tem de matar o animal, neste caso alegando que é um hamster, ainda por cima já de idade. Lembro-me que a primeira vez que me dei conta deste estranho procedimento, era eu um petiz, foi também num programa de televisão qualquer, em que abateram um cavalo porque ele tinha partido uma perna, e não era um cavalo qualquer, pois lembro-me de ver a dona chorar copiosamente, enquanto simultaneamente concordava com o veterinário, alegadamente porque a vida do cavalo não voltaria a ser a mesma.

Eu até sou a favor da eutanásia e, especificamente no caso dos Humanos, até acho que o direito à morte devia ser um direito fundamental. Mas realmente não posso deixar de me sentir feliz por não haver alguém “superior”, que embora gostando muito de mim, ache que não vale a pena eu passar pelos horrores de ter um ligeiro coxear para o resto da minha vida e me decida matar logo ali. E realmente dá que pensar, esta tendência um tanto ridícula que nós temos para exagerar tudo. Claro que esse ridículo faz parte, em parte, da nossa grandeza, mas bolas, imagine-se o caso de uma pessoa idosa, que tal como o hamster, padecesse de uma inflamação nos ovários (ok é a hamster), e obtivesse como resposta exactamente – Olhe, esta doença não tem cura com medicamentos, só mesmo operando. Mas, como já é tão idosa, não me parece justo faze-la passar por tal experiência. Lamento, mas vamos ter de a abater. – e já agora, rematando – Quer que entremos em contacto com a sua família para avisar que hoje não vale a pena contarem consigo para jantar?

Claro que até aceito que exista aqui alguma ingenuidade, da minha parte, neste assunto. Provavelmente, à dona do cavalo, que teve mesmo, impreterivelmente, que ser abatido, importava-lhe sim que o mesmo servisse para a transportar sobre o dorso. É algo normal, até nas relações humanas, que quando o factor de utilidade se dá como terminado, a relação termine. Embora eu fique extremamente feliz por nenhuma ex minha ter tido o poder de me mandar abater. Ao veterinário, do hamster, faltou-lhe provavelmente a paciência e a disponibilidade emocional para se dar ao trabalho de perder tempo a operar o bicho, e à senhora, lavada em lágrimas, faltou-lhe provavelmente o discernimento para não sucumbir à pressão da escolha. Mas, quer num caso, quer noutro, acho que há algo de maquiavélico na aplicação da eutanásia por parte dos veterinários. Um desejo, um tanto macabro, de poder. E que embora não me faça mudar de opinião, me traz alguma compreensão para algumas das reservas que as pessoas anti-eutanásia têm. É que realmente, o poder, seja sobre o que for, é algo muito frágil nas mãos de um humano.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

The Obama Deception, ou "Oh não, a nova ordem vai dominar o mundo!!"

Ontem, enquanto navegava pela internet, encontrei, num fórum que costumo frequentar, um filme sobre teorias de conspiração chamado The Obama Deception. Quero já esclarecer que abomino Teorias de Conspiração, acho-as uma forma de simplificar o mundo, e pior, uma forma de alimentar a paranóia colectiva. Para além de não ter tido nada melhor para fazer, o que me levou a ver isto foi achar incrível que passados uns 4 meses desde a tomada de posse do novo presidente já existir um filme sobre o Obama. E ao acabar de ver, juro, que realmente a minha cabeça ficou algo baralhada. Não pela conspiração mal enjorcada apresentada no filme, mas pela própria natureza da coisa. Será isto uma brincadeira, que daqui a uns tempos vai ser desmontada para demonstrar às pessoas como elas são susceptíveis de acreditarem em tudo o que lhes é apresentado? Será apenas fruto de um grupo de pessoas que vendo a fragilidade paranóica dos humanos explora um filão que rende muito dinheiro? Ou será um conjunto de gente doente que, por pura sorte, tem a autonomia suficiente para fazer filmes? Francamente desejo, algo intensamente, que seja a primeira hipótese, desconfio que seja a segunda, e, com alguma tristeza, creio que seja a última.

O “casting” do filme é algo arrepiante. Francamente não existe um “perito/especialista” presente aqui que não tenha um ar profundamente afectado, e quando falo afectado não me refiro a uma pessoa com um ar cansado pelas horas de trabalho exaustivo que passou nas suas pesquisas, refiro-me a pessoas com sinais claros de desarranjos mentais. E se o casting é arrepiante, o argumento é de bradar aos céus. Lamentavelmente foi-me impossível decorar todos os pontos referidos no filme, mas há alguns que são uma verdadeira delicia.

Existe uma organização chamada de Nova Ordem Mundial que, tal como aqueles vilões dos desenhos animados que falham sempre os seus planos maquiavélicos episódio após episódio, tenta tomar conta do mundo instituindo um governo global. Esses senhores já financiaram grandes líderes como Napoleão ou Hitler, entre muitos, e como qualquer pessoa que saiba um pouco de história, ou então, que esteja simplesmente ligado à realidade, já deve ter reparado, falharam sempre. Claro que há aqui alguns pontos confusos, por exemplo, aparentemente estes senhores que têm como base o secular eixo Grã-Bretanha/Estados Unidos, financiaram o Hitler para dominar o mundo, e depois, não sei muito bem porquê, aniquilaram a Alemanha nazi, que eles próprios tinham financiado. Infelizmente não perderam tempo no filme a explicar este contra-senso, nem qualquer outro. Bom, e onde entra o Obama neste assunto? Bem, pode parecer um pouco rebuscado, mas ele, tal como Hitler, Staline, Mao, e outros, foi simpático para o seu povo levando-os ao engano… Um nítido sinal da besta, a demagogia, que não se vê em mais nenhum politico no mundo que não seja financiado pela Nova Ordem Mundial e pronto… Disso a concluir que o Obama será o novo Hitler vai um pequeno passo. É óbvia a ligação, e ainda é reforçada, de forma brilhante, por medidas que o Obama pretende implementar e que o definem, claro, como o Satã em pessoa. Entre elas estão a criação de um sistema público de saúde, com o óbvio intuito de controlar a saúde dos cidadãos com fins maquiavélicos e, mais grave ainda, implementar uma política de desarmamento da população civil para impossibilitar a sua auto-defesa quando as tropas forem tomar conta do país.

Eu francamente senti-me algo perdido no meio de tanta loucura. Mas claro que há mais. Mais do que Obama, que acaba por ser metido muito à pressão aqui, a questão da Nova Ordem Mundial causa-me estranheza e, mais ainda, espanto, por toda a paranóia que gera, não só por este filme, mas por me parecer um assunto alastrante. Eu pergunto-me, mas qual é a relevância desta organização? O que tem de novo esta ordem? O princípio básico é de que pessoas muito poderosas se reúnem com uma agenda que se baseia em defender os seus interesses, algo que me parece muito natural, mas, e mais uma vez saliento a importância da palavra paranóia nisto tudo, parece que esta organização tem quase uma omnipresença ao longo da nossa história, para estes teoristas. Mas apesar dessa omnipresença é uma organização estranhamente “omniinpotente” porque de facto nunca conseguiram atingir essa hegemonia mundial.

Sinceramente, o que há mais aqui que não paranóia? Qual é a relevância dessa Nova Ordem Mundial? Eu acho que é tão relevante quanto Deus, não compreendo o tipo de iluminação que tantas pessoas atingem quando vêem estes filmes, ou lêem os livros, sobre teorias de conspiração, e parecem que descobrem algo que sempre lhes foi oculto. Eu que me limito a ver os noticiários não sinto que descubra algo de novo quando me dizem que o poder económico se organiza para controlar os governos, ou que os bandos têm um poder desmedido situando-se acima da lei. Não fico espantado, por o Obama fazer aquilo que todos os políticos do mundo fazem desde sempre, seja pela demagogia, seja pelos tachos no seu governo. Essa é a história e a natureza da humanidade, mas não me venham com teorias da treta a dizerem que estamos numa altura sem precedentes em que a minha liberdade está posta em causa, como nunca antes. Foda-se, mas em que mundo é que estas pessoas vivem!? Em Portugal, no ano de 1974, terminavam décadas de ditadura, a Europa em geral no século XX esteve completamente dominada por ditaduras, alias até se pode traçar uma linha quase ininterrupta de ditaduras no séc. XX que começa no extremo ocidental da Europa e acaba no extremo oriental da Ásia, e querem-me vender a ideia de que vimos uma época áurea e vamos entrar na idade das trevas? E se existir efectivamente essa Nova Ordem Mundial, nos parâmetros paranóicos descritos, não nos servimos nós também dela?

Bem… isto dava até nunca mais. Apetece-me dizer, desculpa Michael Moore!!  

segunda-feira, 30 de março de 2009

Filmes do fim-de-semana

Photobucket

Após o regresso de Rocky Balboa, num filme que acabou por demonstrar insuspeitos talentos do Sr. Stallone enquanto realizador, até como argumentista, e com um bocado de boa vontade, como actor, eis que volta Rambo, outro ícone vindo dos anos 80 incarnado por este senhor. Ao contrário de Rocky, que não era tanto um filme de acção mas um drama masculino ao bom estilo Americano, Rambo IV é um filme de pura acção onde os mortos caem em elegantes cascatas e onde a personagem Rambo se desenvolve sobre o próprio “valor” cultural excedendo-se a cada cena. Em suma, é um filme perfeito para um serão de fumos e copos entre amigos, com a garantia de tanto umas boas gargalhadas como de algum choque face ao gore do filme.

Photobucket


As “cidades” são prisões das quais não conseguimos escapar. Vivemos todos de sonhos, memórias e recordações, sabemos o que queremos, mas não existem caminhos que nos levem aos sonhos, não sem luta. Ao mesmo tempo, o que somos nós? Apenas as nossas memórias ou algo mais? E a realidade, será mais do que aquilo que nos é dado? Será a loucura o resultado do encontro entre realidades distintas? Esta e muitas outras questões vão emergindo ao longo de Dark City, um simpático filme de ficção científica, soberbamente suportado por um cuidado estético que por si só lhe vale um quase estatuto de culto.