sexta-feira, 24 de abril de 2009

Lamento, mas vamos ter de o abater

Ora, ontem enquanto via o ternurento “Clínica de animais”, deparei-me com uma cena comum, sobre a qual já me interrogo há alguns anos, em que um veterinário, depois de concluir que um hamster já não tinha cura para a sua doença, se vira para a dona e diz -lamento, mas vamos ter de o abater - ao que a senhora se desfez em lágrimas, claro está. Não é a reacção da senhora que me causa especial estranheza, mas sim, a habitual displicência com que o “médico” conclui que se tem de matar o animal, neste caso alegando que é um hamster, ainda por cima já de idade. Lembro-me que a primeira vez que me dei conta deste estranho procedimento, era eu um petiz, foi também num programa de televisão qualquer, em que abateram um cavalo porque ele tinha partido uma perna, e não era um cavalo qualquer, pois lembro-me de ver a dona chorar copiosamente, enquanto simultaneamente concordava com o veterinário, alegadamente porque a vida do cavalo não voltaria a ser a mesma.

Eu até sou a favor da eutanásia e, especificamente no caso dos Humanos, até acho que o direito à morte devia ser um direito fundamental. Mas realmente não posso deixar de me sentir feliz por não haver alguém “superior”, que embora gostando muito de mim, ache que não vale a pena eu passar pelos horrores de ter um ligeiro coxear para o resto da minha vida e me decida matar logo ali. E realmente dá que pensar, esta tendência um tanto ridícula que nós temos para exagerar tudo. Claro que esse ridículo faz parte, em parte, da nossa grandeza, mas bolas, imagine-se o caso de uma pessoa idosa, que tal como o hamster, padecesse de uma inflamação nos ovários (ok é a hamster), e obtivesse como resposta exactamente – Olhe, esta doença não tem cura com medicamentos, só mesmo operando. Mas, como já é tão idosa, não me parece justo faze-la passar por tal experiência. Lamento, mas vamos ter de a abater. – e já agora, rematando – Quer que entremos em contacto com a sua família para avisar que hoje não vale a pena contarem consigo para jantar?

Claro que até aceito que exista aqui alguma ingenuidade, da minha parte, neste assunto. Provavelmente, à dona do cavalo, que teve mesmo, impreterivelmente, que ser abatido, importava-lhe sim que o mesmo servisse para a transportar sobre o dorso. É algo normal, até nas relações humanas, que quando o factor de utilidade se dá como terminado, a relação termine. Embora eu fique extremamente feliz por nenhuma ex minha ter tido o poder de me mandar abater. Ao veterinário, do hamster, faltou-lhe provavelmente a paciência e a disponibilidade emocional para se dar ao trabalho de perder tempo a operar o bicho, e à senhora, lavada em lágrimas, faltou-lhe provavelmente o discernimento para não sucumbir à pressão da escolha. Mas, quer num caso, quer noutro, acho que há algo de maquiavélico na aplicação da eutanásia por parte dos veterinários. Um desejo, um tanto macabro, de poder. E que embora não me faça mudar de opinião, me traz alguma compreensão para algumas das reservas que as pessoas anti-eutanásia têm. É que realmente, o poder, seja sobre o que for, é algo muito frágil nas mãos de um humano.

3 comentários:

Matos disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Matos disse...

http://www.youtube.com/watch?v=h4nLjL1jtDg

Unknown disse...

Um antigo veterinário (dos meus bichos) não praticava eutanásia. Apenas a recomendava e fornecia os meios. Foi assim que nas minhas costas os meus irmãos abateram um dos meus hamsters ja velho e doente (dentro de um saquinho com um algodão embebido em éter). Quando cheguei a casa a gaiola estava vazia e ele tinha apenas morrido. Soube uns meses mais tarde que tinha sido assistido. Foi o melhor p ele. Mas se tivesse sido comido por um gato eu não tinha ficado mais triste. Paz às suas almas.