sábado, 22 de novembro de 2008

"Stalker", ou um piquenique à beira da estrada


Por, infelizmente, não saber falar russo e ter um conhecimento pouco mais do que deficiente da sociedade e cultura russas/soviéticas, tenho a consciência de que não me é possível apreciar na totalidade os escritos dos irmãos Arkadi e Boris Strugatski, escritos esses que (segundo a Wikipedia, outras fontes de informação cibernética mais especializadas e a minha própria percepção de que existe ali algo que me escapa) estão pejados de referências, citações e homenagens à sua nação e obra literária da dita.

Apesar desta falta de contexto e de frequentemente me ver obrigada a comprar traduções manhosas em português (que para cúmulo, nem são traduções do original mas de versões francesas ou inglesas), o engenho e imaginação dos irmãos S conseguem ainda assim transparecer. Para resumir grosseiramente o imaginário Strugatskiano, pode-se dizer que este versa essencialmente sobre o lugar da Humanidade no Universo (o tal existencialismo mencionado pelo Phobos uns quantos posts abaixo). Muitas vezes, senão sempre, o veículo que usam para tal consiste em colocar em forma de enredo de ficção científica um punhado de questões talvez corriqueiras mas perspicazmente formuladas por eles: e se um belo dia fossemos confrontados com o facto de que não estamos sós na Criação? de que modo se revelariam os nossos vizinhos? será que conseguimos comunicar com eles? será que conseguiríamos sequer reconhecê-los se nos deparássemos com eles e vice-versa?  e o que é isso da inteligência afinal? o que é, no fundo, ser Humano?

Em altura alguma é-nos dado um arremedo de resposta a estas perguntas pelos irmãos S, somente pequenas pistas de que algo está ali, algo para sempre fora do alcance da nossa compreensão, mas intensamente desejado (um pouco à semelhança da minha intenção de abarcar na totalidade os livros de alguém que escreve numa língua e sobre uma cultura completamente diferentes das minhas - e se me custa fazê-lo, o que se diria dos nosso esforços para comunicar com outros animais terrestres aparentados connosco, como elefantes ou baleias? Já para não dizer que encetar tal tarefa com um ser que evoluiu num mundo diferente do nosso deve ser impossível).

Stalker, o livro*, é na minha opinião a melhor história deles (da dúzia que já consegui ler) por conseguir conjugar na perfeição tudo o que já estive a papaguear sobre o imaginário Strugatskiano com reflexões sobre a condição humana quando confrontada consigo mesma. Redrick, o protagonista, vive num Mundo depois da Visita: alguém (nunca visto ou identificado) chegou à Terra, devastou zonas aleatórias e despareceu de seguida deixando atrás de si artefactos incompreensíveis, perigosos mas por isso mesmo almejados por cientistas, militares e civis como Redrick, o Stalker que se aventuram na Zona para contrabandear os tais artefactos. Red odeia e ama a Zona com a mesma intensidade: é corruptora, promete maravilhas à partida impossíveis, influencia o destino de todos (mesmo os inocentes, como a filha de Red) e no fundo actua como uma droga. 

Mas ao contrário de todos os outros que procuram explicar o que aconteceu por meios científicos ou aproveitar-se das consequências da Visita para ganhar poder, Red aceita a Zona tal como ela é: um evento que simplesmente aconteceu (como quando fazemos um piquenique na floresta e nos esquecemos lá do lixo) e a que se deve adaptar para conseguir sobreviver. Não quer respostas, quer simplesmente continuar e que todos consigam viver "de orelhas arrebitadas e nariz ao vento", mesmo que lhe custe admiti-lo.

E é por isto, por encarnar tão bem a tenacidade do espírito humano perante a adversidade, a sua persistência na curiosidade e por deixar ao nosso critério a forma de completar o enredo, que "Stalker" não é "só" um livro de ficção científica ((in)felizmente demasiado pequeno e que nos deixa ansiosos por mais migalhas de respostas), mas uma projecção subtil de possibilidades que tomam a forma definitiva no espírito e percepção de quem as lê.

*para saberem mais sobre o filme (do qual não gosto) leiam o supramencionado texto do meu Rapaz 

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Pequenos Enigmas

A vida é repleta de pequenos acontecimentos que escondem grandes coisas. Deus revela-se assim esporadicamente ao Homem permitindo que nos debrucemos mais sobre a sua natureza. Isso ocorre nas mais variadíssimas formas. Num Livro, no pé esquerdo de um jogador de futebol, num trago de salvia, nas borras de chá... enfim, acontece não tão esporadicamente quanto isso. Mesmo há uns minutos fui eu o receptor de uma destas gloriosas mensagens - embora eu tenha medo de a descodificar - sendo esta em forma de vídeo, mais concretamente em formato .flv, se não me engano. Especifico o formato porque pode vir a interessar analisar porque este formato e não outro.

Não vou descrever minimamente o conteúdo do vídeo mas revelo já que Deus é a personagem que aparece à direita da imagem. O ruído de fundo, o da senhora que fala, é o barulho que nós fazemos enquanto Deus trabalha. Deus fez-me rolar umas lágrimas de riso, obrigado.

(Juro que tão cedo não voltarei a falar de Deus aqui. Mas tinha de arranjar uma forma de meter este vídeo)

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Nota Informativa

Para quem, de entre a multidão que aflui a este nosso espaço, não se deu conta, existe na parte superior direita deste blog um quadrado mal enjorcado com uma imagem que vai variando de dia para dia. Não é motivo para me vir aqui gabar, visto esta ferramenta estar disponível para todos, mas só prova o quão cool eu e a minha Li somos ao colocar num confinado quadradinho de uns parcos pixeis verdadeiros colossos cósmicos. Mais, se clicarem sobre a imagem, quase como por magia, irá aparecer uma outra janela onde poderão ver essa mesma imagem maior e aprender mais coisas sobre o que estão a ver.

Hoje, dia 11 de Novembro de 2008, temos a Nebulosa da Tarântula. Uma imensa fábrica de estrelas com mil anos luz de diâmetro... Sendo que cada ano luz é qualquer coisa como 10 triliões de quilómetros, tentem se conseguirem, conceber o seu tamanho. Neste momento a 180,000 anos luz de distância, lá se encontra Ela na sua existência a parir estrelas, calculo que lentamente, e nós humanos, até há muito pouco tempo não tínhamos qualquer possibilidade de sequer a imaginar. Não deixa de ser curioso que objectos colossais como estes, embora não pensantes, tenham o poder de semear mundos e nós portadores de intelecto não tenhamos, até as fotografarmos, a capacidade de as pensar.

Por infortúnio do destino - ou não porque poderiam haver implicações que me escapam e que tornariam impossível a vida na Terra, mas vá lá, faz de conta que não - tivesse esta nebulosa "apenas" à mesma distância da nebulosa de Orion e veríamo-la pintar o céu nocturno do firmamento, ocupando uma área semelhante à de 60 luas. Não quero com isto criticar Deus por ter tido tão pouco primor ao escolher a nossa paisagem nocturna mas seria realmente interessante poder passar uma noite no Gerês a contemplar a "Tarântula" em vez de só o nosso pálido calhauzinho. Por outro lado se o nosso céu não fosse apenas o engodo que é, levantando só discretamente a ponta do véu das nossas questões fundamentais, talvez nem tivéssemos evoluído até este ponto em que grande parte da população praticamente consegue compreender sozinha os livros de instruções dos electródomesticos, quanto mais até ao ponto em que compreendemos o que é uma fábrica de estrelas.

Bem, tudo isto só para relembrar o quão cool somos. Nós, não a Humanidade, claro está. Mas não deixa de ser significativo que alguns de entre nós (eu não infelizmente) consigam arranjar forma de meter os tais 10 quintiliões de quilómetros num quadradito com uns 10 cm X 10 cm.

Como forma de homenagem a tudo isto que debitei, incluindo a possível falta de imaginação de Deus, deixo aqui uma montagem feita a correr, cruzando uma foto roubada ao Brilhando (não era esta que eu queria mas pronto) e a nossa Tarântula.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Stalker

Stalker é um assombro. Não que a história e a acção decorrentes sejam de perto tão boas como no livro dos irmãos Strugatsky, alias, embora se trate claramente do mesmo universo tudo o resto pouco tem a ver.  Mas visualmente é tremendo, digo-o sem exagero. Eu pessoalmente nunca tinha estado na presença de um filme em que acabado se fica com a nítida sensação de que se poderia decompor cada frame, ao longo das mais de duas horas e meia de película, e cada imagem valeria por si própria.

Como maior defeito sofre evidentemente de uma maior carga dramática que o livro. Não aborda nada que o livro também não aborde mas limita-se a explorar a carga existencialista do mesmo defraudando quem procura mais do que isso. Mas por outro lado é uma experiência curiosa por escapar aos paradigmas do cinema e explorar uma abordagem que lhe dá uma carga literária. Ou seja, embora realmente o filme seja uma adaptação muito livre do livro - mas não tão livre que não leve quem já leu o livro a reencontrar-se na Zona - ele é tão profundamente descritivo, pela sua lentidão, e tão forte a nível de imagem que escapa ao seu suporte.

Claro que não é o melhor filme de sempre mas é, para mim, o mais belo. E quando escrevo que é belo não o faço por ser apenas uma colecção de imagens bonitas mas sobretudo por ser um triunfo do engenho e da imaginação na criação dessas imagens e do seu movimento. Toda a sonoplastia é também magnifica contribuindo muito bem para construir a atmosfera hipnótica do filme, tornando-o até bastante pesado e mais difícil de digerir. E é aqui mesmo que reside o ponto que me fez amar o filme, da soma de todas as partes Andrei Tarkovsky e a sua equipa construíram algo que não é de todo user friendly - um pouco à imagem do que me faz adorar Lynch, embora nada tenham a ver - reflectindo também toda austeridade e glorificação do materialismo Soviético, o que por si só o torna um documento interessante.